Ontem a noite, Arlette, levantamos os copos a tua honra, que foste uma grande mulher !!
Digo "Arlette" e não "Lele" como tudos sempre diziam, porque uma das primeiras coisas que me confiaste foi que detestavas ser chamada Lele e também porque me lembro que me dizeste uma vez "não se esqueça da sua amiga Arlette".Uma frase que me ficou gravada. Então para mim existe dum lado a "tia Lele" que era algo como uma institução caritativa onde tantas pessoas acudiam e por outro lado a Arlette Costa, uma mulher com muitas faculdades e talentos sem realizar porque vivia num mundo extremamente normativo e restrictivo e dedicou tuda a sua vida aos outros. A tua vida, Arlette, foi a realização desta frase chinesa "a mulher sem filhos e a mãe de tuda a aldeia"
Fomos tão diferentes, duas gerações, duas culturas, dois modelos de vida, mas pelas circunstancias conhecemos-nos alem destas diferenças, das convenções sociais e das máscaras diarias. E chegamos a estimar-nos uma a outra construendo uma ponte entre dois mundos, entre duas mulheres, uma ponte feita de comprensão, de tolerancia e de carinho dum ser humano para outro.
Foste uma mulher inteligente, organizada, governando o teu mundo, muito capaz de sobreviver em circunstancias diversas e dificeis e terias gostado que os teus numerosos sobrinhos fossem tudos assim. Quando durante as nossas longas conversas criticaste algum deles, eu sempre tomava isso como prova de confiança conmigo porque ninguem- excepto tu mesma - tinha o direito de criticar algum membro da tua familia.
Enquanto podias, levavas a tua vida como tu entendias. Mas, olha Arlette, nos últimos tempos exageravas um pouco. Tudas essas pessoas que vinham a tua casa para trazer comida, limpar a casa ou simplesmente fazer-te companhia, porque as trataste tão mal ? Terá sido por frustração de no receberes o que tu deste varias vezes. De quantas pessoas cuidaste tu até o dia da morte delas ? Tal vez .......
E no final da tua vida ainda me ajudaste a superar o trauma que me causou não me ter despedido do Carlos que - ninguem acreditaria tal coincidencia - estava na mesma cama que tu no mesmo "hospital" que mais parece uma antecamara do inferno. Desculpa-me, mas eu não queria ir, detesto os hospitais e esse mais que qualquer outro que conheço, mas superei-me e fui e agradeço-te, Fernando, ter-me deixado entrar também.
Estavas lá tão pequenina e frágil, mas com um sorriso e com os olhos que ja viam outros mundos. Estava bem claro que te preparavas para ir. Costou-me muito esforço ir - espero que ninguem tera notado, mas não sou pior actriz que o bloco de gelo do teu sobrinho. E fico tão satisfeita e agradecida por ter acabado com um abraço e um adeus sentidos uma boa relação humana que ninguém diria que podia existir. Mas existiu, e considero um privilegio conhecer-te e ter andado um pouco de caminho contigo.
Adeus, Arlette, não te vou esquecer.
5 comentários:
Só posso mandar-te um grande abraço!
:))
Um texto muito sentido e muito tocante !
Um grande abraço,
Zé-Carlos
Deste vida à Arlette.
Enquanto escreveste sobre ela, enquanto cada um dos teus leitores te lê, ela está bem viva, na sua força e fragilidade, mulher palpável, de carne e osso.
Obrigada por nos teres trazido a tua amiga, cujos contornos pudemos tocar. Estou certa de que ela teria gostado de saber que, graças a ti, está aqui, entre nós.
Maria
Linda e comovente esta tua homenagem a alguém especial que se cruzou contigo na vida e deixou em ti marcas indeléveis!
Um beijinho
Solzinha: os abracos: SEMPRE BEMVINDOS :))
Zé-Carlos: Já sabes que reflectir sobre a morte no fundo é muito saudavel. Um abraco para ti tambem
MARIA : Tens razao provavelmente teria gostado !Poucas ou inexistentes terao sido as pessoas que a viam como individuo, como mulher e nao como uma especie de institucao.
E nestas ocasoes que me digo que seria bom aprender mais portugues para limar os meus textos. Mas enfim de momento nao é uma prioridade :))
MENA: Sim, gostei dela e tambem a admirei de certa maneira mas tambem me demostrou o que significa crescer e viver numa sociedade restrictiva....
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